quarta-feira, 17 de junho de 2009

BDI - Parte I

"BDI tem que ser enxuto"

Secretário de fiscalização de obras e patrimônio da União defende inversão de fases e pregão para obra, nega padronização do BDI e explica análise dos preços dos orçamentos baseada no Sinapi

Por Mirian Blanco



André Luiz Mendes
Para André Luiz Mendes, secretário da Secob (Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da União), as regras do TCU (Tribunal de Contas da União) para fiscalização e auditorias de obras são cercadas de lendas. Entre os ditos não justificados à luz da lei, estariam o atrelamento obrigatório dos preços unitários aos custos do Sinapi (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil) e a padronização do critério contábil proposto pelo TCU para o BDI (Benefícios e Despesas Indiretas). "A questão do BDI tem uma dimensão absolutamente inexplicável no meio da construção."

Nesta entrevista exclusiva, o secretário explica, com detalhes, muitas das polêmicas e reivindicações do setor da construção civil. Considera devido o uso do pregão para obra e a inversão de fases nas licitações de menor preço, contanto que sejam estipulados critérios objetivos e rigorosos para licitação. Confirma que a maioria das licitações de obras públicas são realizadas com projetos básicos insuficientes. E nas pequenas obras, os problemas seriam ainda maiores: "a disputa é muito mais acirrada; mergulha-se muito mais; pratica-se subpreço", diz.

Para Mendes, as funções de controle externo exercidas pelo Tribunal, muitas vezes trazem à tona divergências com o setor porque a natureza dos interesses defendidos por ambas as partes são opostos. Mas há convergências, como a defesa da agilização da contratação e a segurança na execução do contrato. "Então, vamos atuar junto nessas convergências e levá-las ao Congresso. Estamos sempre de portas abertas ao setor." Confira.


Nesses 12 anos de auditoria de obras do TCU, quais são os maiores e mais recorrentes problemas encontrados?

O problema mais grave é a questão dos projetos, que estão longe, na sua maioria, de atender a lei. A maior parte das licitações, ao longo dos últimos 15 anos, foi feita com anteprojetos, com projetos muito elementares, rudimentares.


E desse problema derivam quais outros?

Alteração de objeto, por exemplo. Licita-se uma coisa e depois a altera no decorrer da obra, acrescentando muitos aditivos. Também há o famigerado "jogo de planilha": ao final da alteração de projeto, começam a surgir itens novos que não estavam previstos na licitação; ou, por uma "coincidência", aqueles itens que estavam "caros" começam a ter aumento de quantitativo, enquanto alguns itens "baratos" são eliminados ou reduzidos, desequilibrando o contrato.


E o TCU, na função de controlador externo, não toma medidas para reduzir o número de projetos insuficientes?

Sistematicamente, tem-se determinado aos órgãos fiscalizados que elaborem ou licitem projetos que sejam adequados à lei. Outra ação é privilegiar a fiscalização o mais cedo possível, de preferência na fase de edital, na fase de licitação da obra.


Mas isso é suficiente? Por que não estabelecer, como regra, auditoria para esses projetos básicos?

O Tribunal não tem estrutura suficiente para fazer o controle prévio de todas as contratações de obra e isso poderia comprometer a administração pública, o andamento, a programação, o planejamento do executivo.


Então, quais são os critérios para estabelecer quais empreendimentos serão auditados?

Por exemplo: critérios de materialidade (de valor de empreendimento), critério de risco e até análise superficial de alguns editais para ver se ali há alguma sinalização de risco que faça com que aquele edital mereça ser fiscalizado desde o início. Muitos dos problemas ocorrem depois do contrato assinado, então, não podemos privilegiar uma fase em detrimento da outra.


Porte de obra é um critério?

Cerca de 90% das obras fiscalizadas pelo Tribunal são obras de grande porte. Mas existem muitos problemas nas pequenas obras. São empresas menores; a disputa é muito mais acirrada; mergulha-se muito mais; pratica-se subpreço. Temos notícias disso em obras menores, licitadas por prefeituras, convênios, para fazer aquela unidadezinha de saúde, aquela escolinha no núcleo rural. São obras de R$ 200 mil. As obras que fiscalizamos são de R$ 300 milhões.


Não é raro que editais sejam lançados concomitantemente ao edital de projeto do mesmo empreendimento...

Sim. Tivemos um caso desses no ano passado, envolvendo o terminal de passageiros e pátios do aeroporto de Guarulhos. Foi lançado o edital da obra e, simultaneamente, o edital de atualização de projeto. A ação típica do Tribunal foi determinar ao órgão que suspendesse aquela licitação da obra até ter o projeto básico adequado conforme a lei.


Como vocês podem evitar esse tipo de coisa?

Quando detectamos, há uma determinação nesse sentido. Determinar significa que o gestor é obrigado a cumprir a determinação sob pena de sofrer sanções, afastamento do cargo e multa. São duas figuras que existem: recomendação e determinação. Na recomendação, o gestor não se sujeita a nenhuma pena se não cumpri-la. A determinação sim. E mais de 90% dos atos do Tribunal são no sentido da determinação.


O TCU trabalha com um BDI padronizado?

Não existe padronização de BDI. Existe um Acórdão do Tribunal, o 325 de 2007, que definiu parâmetros para obras de linhas de transmissão elétrica. Houve um estudo do BDI praticado em várias obras e ali se definiu faixas de BDI para obras de linhas de transmissão.


E esse BDI não é usado para tudo, como se construir linha de transmissão fosse o mesmo que construir saneamento?

Não. Aquele Acórdão é visto como referência para outras obras também, mas como referência, e não como faixas que não possam ser discutidas em cada um dos componentes. Pode haver BDI acima ou abaixo dessa faixa? Pode. Não existe um BDI tabelado. Em geral, o que se espera é que o contratante tenha seus custos no orçamento-base e que tenha um BDI defensável. O BDI tem que ser feito com base num referencial. O acórdão 325, com eventuais ajustes, pode ser esse estudo.


Mas os contratantes usam o Acórdão 325 apenas como referência e consideram, para o cálculo do BDI, as diferenças entre obras de diferentes complexidades e riscos?

Os contratantes podem fazer isso. Se eles fazem ou não... depende. O gestor contratante, que está elaborando o orçamento-base, tem que mostrar o BDI usado e a composição analítica do BDI, dizendo por que ele está usando cada um dos itens. Ao gestor público cabe demonstrar a qualquer momento a boa e regular aplicação de recursos públicos de forma transparente. Se sou o chefe de engenharia ou do setor de orçamento de um órgão e estou fazendo aquilo que vai ser o preço-base de uma licitação, tenho que demonstrar de onde vem o valor de cada item orçado, seja de uma fonte consagrada, ou até mesmo, como se usa complementarmente, os índices da PINI, via composição do TCPO (Tabelas de Composições de Preços para Orçamentos) ou os preços apresentados aqui nesta revista.


Mas, o que se diz, é que muitos contratantes não têm domínio de como calcular um BDI. Quem são essas pessoas que formulam o BDI? Eles não deveriam ser engenheiros, como prediz o Crea [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia]?

Se estava havendo alguma deturpação nesse sentido, a própria LDO para 2009, no 11.768, trouxe uma correção para isso em sua última edição. No parágrafo 5o do artigo 109, a lei estabelece a obrigação do registro da ART [Anotação de Responsabilidade Técnica] do orçamento básico, bem como a declaração expressa de seu autor de que os quantitativos estão compatíveis com o projeto e os preços unitários.


Sim, está na lei. Mas existe mecanismo para impedir que a lei não seja cumprida?

O agente público que descumpre essa prerrogativa está sujeito a sanções do Tribunal. Se o Tribunal se depara, numa fiscalização, com um orçamento-base absolutamente frágil, ele ouve em audiência o autor desse orçamento-base, essa pessoa está sujeita a sanções e o órgão recebe a indicação de adotar as medidas corretivas.


Há indícios de subdimensionamento do BDI por razões políticas?

Não é do nosso conhecimento. No Acórdão 325 existem critérios e diretrizes, mas é possível usar aquelas diretrizes e chegar a 20% ou 32% [de BDI]. As diretrizes são questões conceituais e não fáticas, assim como o BDI enxuto e a questão do imposto de renda e contribuição fiscal não fazem parte do BDI porque não se trata de uma despesa a ser transferida. Se o órgão está usando 6% de lucro com imposto de renda e contribuição fiscal à parte e, a partir do momento em que ele deixou de botar à parte, ele passou a usar, no BDI, um lucro de 8% ou de 9%, não vejo problema nenhum. A questão do BDI tem uma dimensão absolutamente inexplicável no meio da construção.


De fato, há no setor inúmeras reivindicações quanto à reformulação conceitual de alguns pontos do BDI. O TCU leva em conta essas questões?

Quando a gente fala de percentuais de lucro é que a gente vê muita discordância. Mas na conceituação do BDI, todas as manifestações e artigos recentes vão à mesma direção do primeiro artigo que publicamos sobre BDI e que foi publicado na revista TCU, em 2001. A essência daquele artigo diz que o BDI deve ser efetivamente de lucros e despesas indiretas e que deve ser um BDI enxuto, ou seja, que as despesas diretas da obra, para evitar distorções, no caso de aditivos, devem estar planilhadas e não embutidas no BDI.


Como no caso da administração local?

Exatamente. Antigamente, a praxe era colocar a administração local no BDI e não na planilha. Ora, a administração local tem um determinado custo. Aquele custo pode variar evidentemente se houver um incremento na obra que gere um aumento de prazo com aquela mesma administração. Então, se o valor absoluto for colocado, a administração vai ficar mais cara evidentemente. Mas se for transformada num percentual de BDI, pode não haver aumento de administração local e, no entanto, aquele percentual continuar incidindo no aumento de serviço. E isso é uma distorção. É muito mais transparente e justo para todas as partes que esse custo seja planilhado, até porque a obra pode ter um atraso por conta do contratante. Dessa forma, o contratado, ao manter aquela administração, cuja culpa é do contratante, terá, de forma transparente, um argumento palpável para pedir um aditivo em função daquela prorrogação de prazo.

Fonte: Construção Mercado

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