Precisam-se parceiros de crédito
Para o secretário nacional de habitação, Governo Federal não pode continuar desempenhando sozinho o papel de financiar a habitação popular
Todos os problemas estruturais do País se refletem na Construção Civil. O setor é vulnerável às oscilações políticas, ambientais, trabalhistas ou legislativas.
No meio desse turbilhão, a questão do crédito habitacional merece destaque. O Governo Federal, por meio de agentes financiadores como a Caixa, tem que arcar hoje com praticamente toda a demanda por crédito para construção e financiamento imobiliário para a população de baixa renda. O "fardo"
é pesado demais, garante Jorge Hereda, secretário nacional de habitação.
A meta de sua pasta, terminada agora a avaliação iniciada há poucos meses, é recuperar a capacidade de investimento dos Estados, Municípios e União para que todos compartilhem esse papel. O trabalho é árduo: diminuir os riscos de crédito, atrair investidores privados, resolver as questões burocráticas e reduzir o déficit habitacional em grandes doses. Embora o Governo aponte algumas ações já implementadas no primeiro semestre, a carência de subsídios à habitação é notória.
Em entrevista à Construção Mercado, Hereda avalia os problemas de sua secretaria, a relação do Ministério das Cidades com a Caixa Econômica Federal e diz quais serão os diferenciais dessa gestão no campo da habitação.
Líderes empresariais dizem ser impossível saber quanto a Caixa, FGTS e outros agentes financiadores destinam aos programas habitacionais, porque a política para o setor não é clara. Além de diluído em balanços, esse montante estaria muito abaixo de atender minimamente à população de baixa renda. O senhor concorda com a avaliação?
Quanto ao dinheiro ser insuficiente, sim. Sobre os números, não é verdade que estamos no escuro. Para ser preciso, hoje há R$ 5,3 bilhões aplicados nos vários programas de habitação que a Caixa Econômica Federal opera e que são geridos pelo Ministério das Cidades. Acabamos de consolidar esses dados. Estão incluídos aí recursos oriundos da União, do FGTS, do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ou do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial).
Realmente o dinheiro não é bastante para atender à população mais necessitada. O déficit habitacional em 2000 era de cerca de 6,6 milhões de moradias, ou seja, 84% da população que recebe de zero a três salários mínimos não possui moradia. Se ampliarmos essa renda para quem ganha até cinco salários mínimos, 92% das pessoas nessa faixa não têm habitação própria. Esse enorme contingente depende de subsídios e não apenas dos recursos dos programas tradicionais.
Esses subsídios existem? O Governo Federal está atendendo a população de baixa renda de outras formas?
Hoje existe o PSH (Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social), que recebe R$ 350 milhões/ano desses R$ 5,3 bilhões. Temos ainda um subsídio no mesmo valor embutido nos programas do FGTS. O PSH pode ter um orçamento maior, se o considerarmos como um subsídio acoplado a outros financiamentos, em um total de 70 mil unidades. Nós defendemos a criação de um fundo de subsídio para somar esses recursos. Precisamos atender uma demanda que não se encaixa nos programas tradicionais.
Se hoje tivéssemos um programa de subsídios semelhante ao do PSH com os recursos do FGTS não-onerosos, conseguiríamos atingir a população com a produção de mais de 70 mil unidades. Estamos discutindo com o Ministério da Casa Civil, por determinação do ministro e do presidente da República, uma ação para ampliar esses subsídios para atender prioritariamente as populações dos grandes centros urbanos.
Estudos realizados pelo grupo técnico constituído por representantes da CBIC e da CEF comprovam que o modelo de financiamento imobiliário focado na demanda exclui os segmentos de baixa renda. Além disso, os recursos acabam concentrados nas regiões de maior poder aquisitivo. Regionalizar os recursos é viável?
Os recursos do FGTS já são regionalizados, mas é óbvio que dá para remanejar as verbas não-utilizadas. Nós temos uma preocupação séria com relação a isso, pois achamos que o perfil de alguns programas exclui principalmente a população das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e concentram recursos no Sul e Sudeste. Sem dúvida isso nos remete à primeira discussão, quer dizer, onde há população com renda mais baixa, a exclusão é maior porque há mais riscos em se dar o crédito.
Nosso principal agente operador é a CEF, que é um banco, portanto necessita de garantias apesar de hoje assumir quase exclusivamente todo o risco dos programas habitacionais. Os excluídos necessitam de uma política de subsídios, mas também é importante mudar a burocracia para que os programas existentes atendam essa demanda.
Quais metas foram discutidas e qual o montante do FGTS previsto para essa finalidade?
Estabelecemos como meta no PPA [Programa Plurianual] zerar o déficit habitacional em 20 anos. Estamos levantando a capacidade de investimentos nos Estados e Municípios para somar à capacidade de investimentos da União e avaliar como esse déficit pode ser enfrentado. Nós sabemos que é necessário aumentar o ritmo de produção de novas unidades, mas é necessário também manter o crédito para compra de unidades usadas pois existe um grande número de imóveis vazios no País. A previsão para investimento nos anos de 2004 a 2007 na área de habitação é de R$ 22 bilhões, sendo R$ 14,4 bilhões oriundos do FGTS, que é a grande fonte de financiamento hoje.
As pequenas e médias construtoras sofrem mais com a falta de financiamento à produção uma vez que não conseguem passar pelos critérios de avaliação de riscos de instituições financeiras privadas. Já a CEF tem reduzido progressivamente seus recursos para essa modalidade de financiamento.
Existem projetos de financiamento para produção voltados para o pequeno e médio construtor?
Estamos pensando bastante nisso. Queremos que além dos pequenos e médios construtores, as cooperativas também sejam beneficiadas com uma política de financiamento. Hoje, cerca de 70% do que se constrói em habitação no País é produzido na informalidade. É preciso que o mercado formal se amplie e, sem dúvida, as pequenas e médias empresas e cooperativas têm papel importante na relação com a população de baixa renda.
Como tornar o crédito à produção viável?
Eu acho que outros agentes têm de ser incluídos na relação com associações ou cooperativas ou no novo Sistema Nacional de Habitação. Esses agentes contratariam pequenas e médias empresas para fazer esses trabalhos. Acho que essa composição é possível e muito bem-vinda. É necessário encontrar soluções. Hoje pagamos por problemas do passado. As instituições financeiras cortaram o crédito direto às construtoras pois não havia quem pudesse comprar os imóveis, que acabavam vazios. Temos que evitar isso.
Com mais agentes financeiros haveria um aumento de oferta para produção? Isso bastaria para melhorar as condições do setor da construção?
A CEF será sempre o maior agente operador da política, porque é um banco que tem uma vocação social, mas acho importante incorporar ao sistema novos agentes financeiros. Não existe política habitacional possível sem um banco permeável como a Caixa, mas são necessários outros agentes que possam chegar aonde a CEF não chega. O acesso ao financiamento precisa ser mais fácil e rápido.
O conflito da CEF de ser um banco e uma agência de fomento não atrapalha a negociação com setores que necessitam de maior flexibilidade na avaliação de riscos e crédito com mais agilidade?
Esse conflito causa dificuldades para a própria CEF. Enquanto banco, está submetida a várias regras do setor que muitas vezes independem de sua vontade e, de certa forma, dificultam sua ação. Apesar disso, a CEF tem sido criativa no cumprimento do seu papel de agência de fomento. Existe uma sensibilidade, mas é preciso rever programas. Acho difícil, por exemplo, estabelecer uma política habitacional e dizer para uma instituição financeira, sujeita a uma série de amarras, que ela deve assumir todos os riscos das transações. É injusto exigir agilidade da CEF aumentando seus riscos.
Mas o crédito para famílias de baixa renda será sempre de risco.
Neste caso, os riscos devem ser previstos dentro de uma política global de habitação. O banco não pode ter essa autonomia e o encargo do risco sozinho.
É óbvio que a CEF e o Ministério das Cidades precisam rever programas e a burocracia. Isso já está sendo feito. Todo mundo precisa contribuir para diminuir as dificuldades de aprovação de projeto. É necessário uniformizar o procedimento no País inteiro. Uma série de questões pode ser resolvida de imediato, mas a questão do risco e da responsabilidade do agente financeiro só será solucionada com uma política forte de subsídios e de aval.
Como o senhor avalia a relação da CEF com o Ministério das Cidades? O que muda em relação ao Governo anterior?
Eu acho que a interação entre o Ministério e a CEF é um ganho. Antes a CEF era obrigada a assumir uma série de tarefas que seriam da proposição da política e da gestão, que é uma atribuição do Ministério, da administração
direta. Antes a Sedu [Secretaria de Desenvolvimento Urbano] não cumpria seu papel de gestor.
A CBIC encaminhou ao Governo uma proposta de plano emergencial para os próximos quatro meses para a construção de 26 mil unidades habitacionais. Segundo a entidade, o programa selecionou projetos e ações que têm potencialidade para apresentar resultados em curto prazo e que demandam recursos do FGTS, FAR e do FAT, já disponibilizados, e que se enquadram nas normas vigentes. Isso vai adiante?
Meus técnicos estão analisando a proposta. O que posso dizer é que hoje tudo que demande recursos extras da União torna-se praticamente inviável devido ao contingenciamento. Nós vamos discutir isso com as áreas de Planejamento e Fazenda, mas não é uma proposta fácil de viabilizar.
O que é necessário para dar maior impulso ao Projeto Moradia?
O Projeto Moradia está em curso e o Ministério está trabalhando na aplicação dos recursos existentes, para que sejam destinados a quem precisa. Hoje as metas do PAR estabelecem que 50% dos recursos devem ser atribuídos a quem ganha até quatro salários mínimos. Determinamos que a carta de crédito de 50% seja para obras novas, para que se consiga atingir a produção.
Hoje temos mais de três mil municípios discutindo nas conferências das cidades novas diretrizes para políticas de desenvolvimento urbano de habitação. Em paralelo estamos discutindo o novo Sistema Nacional de Habitação, que é um eixo do Projeto Moradia. Os subsídios e financiamentos devem ser revistos em um novo marco regulatório. Outra questão colocada no Projeto Moradia é a incorporação das Cohabs ao sistema. Elas precisam voltar a ser agentes promotores e, na seqüência, agentes financeiros.
O Projeto Moradia fala também da importância de se ampliar o mercado.
O mercado de habitação precisa incorporar as pessoas que estão nas faixas de menor renda. Estivemos um bom tempo atados pois este Governo precisava restabelecer a credibilidade do País. Isso foi feito. Nós temos esperança de que no segundo semestre os juros voltem a cair, favorecendo o equilíbrio econômico. Isso é importante para que se disponibilizem financiamentos de longo prazo, pois assim se chega a essas pessoas.
Texto original de Kelly Carvalho
Fonte: Construção Mercado
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