quarta-feira, 17 de junho de 2009

Orçamento participativo

Por Mariuza Rodrigues
Como organizar o departamento de custos e orçamentos, padronizar processos e reduzir, o máximo possível, a ocorrência de erros de avaliação? A resposta da Hochtief para esta questão está baseada em ampla e irrestrita reestruturação interna, que deu novo sentido para o termo célula, que já foi execrado no repertório nacional. Na Hochtief, as células de trabalho são a base do project team, em que participam profissionais de diversas áreas para a elaboração de uma proposta de negócio. O orçamento não fica restrito a um departamento. Tampouco resulta de um trabalho meramente burocrático. Mas requer a participação das áreas comercial, de engenharia, financeira, administrativa, para formulação de uma proposta que contemple tanto os aspectos financeiros como de tecnologia. A proposta não é somente orçada mas avaliada seguindo critérios objetivos sobre viabilidade. Nesta entrevista, Olgarita Riviera, diretora comercial da empresa, explica como funciona essa estrutura. A engenheira elétrica que migrou da área industrial para o setor da construção, comanda, "a várias mãos", uma etapa significativa desse processo.


Qual é o critério para a escolha de uma proposta?
Na Hochtief, todas as decisões fazem parte de um processo. Então, quando surge a proposta, há uma reunião de diretoria, com os integrantes das unidades comercial e de projetos, onde é realizada uma triagem com base em algumas análises. É verificado se o cliente dispõe dos recursos necessários para realizar o empreendimento, se a obra se insere dentro do perfil de negócios que a construtora estabeleceu como meta e se temos recursos para desenvolver aquele orçamento, entre outros critérios. Essas avaliações são colocadas em votação e resultam numa recomendação que será enviada à diretoria da empresa. Também é gerado um orçamento de quanto vai custar essa etapa de orçamentação do negócio. Com base nisso a diretoria decide em quais propostas nós vamos entrar. Atualmente, 40% das oportunidades de negócios se cristalizam em propostas. Sendo que o nosso índice de conversão das propostas em negócios tem sido de 19%.

Até que ponto o custo da etapa de orçamentação torna o processo viável ou não?
Há uma margem que pode tornar o processo inviável ou não. Vamos dizer, algo em torno de 200 mil reais, por exemplo. A média é muito menor do que isso. Na etapa de orçamentação, cada profissional registra a quantidade de horas de trabalho necessário para executar aquela tarefa. Isso permite contabilizar em parte o custo do processo. Então, é feita uma previsão desse custo na análise de cada proposta e isto é levado à diretoria. Existem propostas onde não há nenhuma informação e é preciso levantar tudo. Esse é um orçamento que fica muito caro. Então é preciso avaliar os riscos e os custos. Hoje, a Hochtief está incorporando novos tipos de obra à sua carteira de infra-estrutura. Estamos nos estruturando para desenvolver esse tipo de obra, que requer orçamentos muito mais caros.

Existe uma margem de lucro fixa para os negócios?
Apesar de sermos independentes da Hochtief AG, na Alemanha, reportamos a ela os nossos resultados. Temos limites de lucro estabelecidos para cada negócio, que giram em torno de 3% a 4%. Há contribuições relativas a cada um deles, que depende de cada caso. É claro que há negociações, mas hoje o mercado está tão competitivo que essas folgas são mínimas. Quando se faz as propostas, em geral, elas não sofrem alterações. Hoje não existe mais aquelas margens que existiram no passado. O importante é que temos de manter a empresa viva. Não podemos ser inconseqüentes. Temos de remunerar o capital dos acionistas, o que é uma das missões da empresa. É claro que às vezes a situação no mercado fica difícil. Hoje, com essa questão da energia, não sabemos o que vem pela frente. Todas as nossas propostas já estão saindo mais caras, porque, no mínimo, prevêem o custo de um gerador. Então, às vezes é preciso praticar tática de guerra. E a tática de guerra é nos manter vivos. Costuma-se dizer que o único setor que quebra trabalhando é a construção civil.

Como está estruturada a área de orçamentos dentro do organograma da Hochtief do Brasil?
A Hochtief atua dentro de um sistema de gestão bem definido, a partir da divisão de tarefas por unidades de serviço. O departamento de Orçamento e Proposta é uma dessas unidades, que funciona ou se reporta à Diretoria Comercial. O setor é uma das principais pontes na elaboração das propostas para novos negócios e tem um papel essencial no funcionamento do project team - o grupo de profissionais encarregado de preparar a proposta cada vez que surge uma oportunidade no mercado. Esse time conta com profissionais de diversas áreas como engenharia, projetos, suprimentos, área administrativa. A esse time é designado um líder, que conduzirá todo o processo e também será o gestor do empreendimento durante a execução. O líder vai acompanhar todo o empreendimento, da elaboração, passando pela negociação, execução e o pós-entrega.


Qual é a maior dificuldade do processo?
É comum surgirem clientes que têm pressa para desenvolver o empreendimento porque houve uma demora no processo decisório. Mas, uma vez concluído, o cliente deseja obter a cotação em "cinco" minutos. Então o trabalho fica comprometido porque, provavelmente, o projeto não está completo. Para se fazer uma boa cotação é ideal que o projeto esteja o mais completo possível. A Hochtief não tem medo de concorrência, principalmente quando a proposta é bem feita, quando o cliente nos dá tempo de preparar a proposta adequadamente, quando o projeto está completo e há a disponibilidade de todas as informações necessárias para realizar uma boa orçamentação.

Então o grande problema é o prazo?
Sem dúvida. Esse prazo varia de acordo com o tipo de obra. Tem cliente que pede a resposta em dez dias. Então precisamos avaliar se nesse tempo é possível realizar uma proposta competitiva. Muitas vezes não há prazo suficiente para fazer uma boa proposta. Eu não consigo fazer a melhor cotação de mercado em duas semanas pois, depois de seguidas as diversas etapas - por exemplo, cotação -, é preciso realizar uma espécie de compatibilização entre as diversas demandas. Este é um processo interno e crucial para que possamos ser competitivos. E, apesar de todo o instrumental que a empresa dispõe, incluindo todos os sistemas informatizados, esse é um processo que requer um tempo para elaboração.

Quais são as etapas desse serviço?
Todos os nossos processos são informatizados. A empresa utiliza um sistema de gestão integrado, o SAP (System Auswendetes Program), que foi customizado para as nossas necessidades, tornando-se o Aristóteles. O módulo Kubos gerencia um banco de dados constituído ao longo de 15 anos, com informações referentes aos subempreiteiros, incluindo cotações de materiais. Há ainda o módulo Renus, que gerencia a parte de custos e de administração financeira. E o Business Inteligent, em fase de implantação, que permite a análise de todas as informações, inclusive as relativas às obras.

A base do processo é o banco de dados?
Sim. O Kubos é uma ferramenta essencial para se preparar uma boa proposta. Nele podemos buscar todas as informações, programações e listagens de orçamentos. Permite uma visão geral da atividade e das experiências ou resultado das obras. Isso é muito importante. Trabalhamos com índices, ou seja, composições de custos, retirados das próprias obras da Hochtief. Além, é claro, de um banco de dados com os preços de materiais e serviços. Dessa forma, podemos saber quanto tempo levamos para executar determinadas tarefas e quais os sistemas adequados ou possíveis de serem empregados. Ao mesmo tempo, modernizamos constantemente os nossos processos, o que permite otimizar prazos e custos. O orçamento que é inserido no sistema automaticamente vira parâmetro para outras obras. O processo vai sendo alimentado. As novas soluções técnicas melhoram a qualidade do orçamento porque essa experiência positiva é transmitida para outros projetos.


Como funciona o project team?
O project team é um grupo que se forma cada vez que surge uma chance ou uma oportunidade no mercado. É uma espécie de célula de trabalho e, uma vez a proposta ganha, ela se torna uma unidade de negócio. Esta célula vai agregando os profissionais dos vários setores de acordo com a necessidade do negócio. Durante a execução, novos departamentos podem ser integrados e outros saírem. Mas a base principal permanece a mesma. Esse grupo acompanha e aplica tudo o que foi planejado anteriormente. Estas informações serão repassadas aos próximos project teams pelo líder, que é na verdade um veiculador das informações. Ele é uma peça-chave em toda essa estrutura. É importante frisar que todas as soluções adotadas são muito estudadas. Nada entra numa obra sem passar por uma análise bem aprofundada. Nada se faz aleatoriamente. Esse grupo estuda de fato a proposta. Estudamos as melhores soluções. Talvez gastamos mais dinheiro nessa fase do que outras empresas porque empregamos profissionais qualificados nesse trabalho. Todo o planejamento é executado nessa etapa. Mas isso representa um custo. Por isso precisamos selecionar as propostas. A Hochtief não entra em qualquer negócio.

Como se organiza o trabalho dos project teams?
Uma vez definida a proposta, o diretor técnico indica o líder do project team. Esse líder estabelece o seu time de trabalho. É feita uma reunião de início de projeto, onde são listadas todas as atividades que serão levantadas naquele processo de orçamentação e os responsáveis por cada serviço. Cada orçamento é moldado de acordo com o perfil do empreendimento. Se é uma indústria, isso representa mais insumos básicos. Se é um edifício, isso demanda mais insumos de acabamento. Ou seja, depende das características da obra. Dois fatores são importantes: as especificações dadas pelo cliente e o tipo de contrato que vai reger o trabalho.

É normal receber esses desenhos ou projetos prontos?
Ter os desenhos adequados ajuda muito no processo de orçamentação. Temos uma equipe de engenharia que se encarrega de definir os tipos de projetos, ou layouts básicos, elaborar os cálculos. Mas algumas vezes é preciso buscar especialistas no mercado. Isso representa serviços que precisam ser executados e levantados na etapa de orçamentação. Hoje, a Hochtief é uma general contractor, capaz de desenvolver desde o projeto até a execução da obra. E para isso ela conta com diversos parceiros no mercado. Atualmente, a grande maioria dos clientes são do exterior. Eles chegam com um projeto básico que precisa ser adequado às condições do mercado brasileiro, quanto à legislação, sistemas construtivos, entre outros requisitos.

Quais são os gargalos de um processo de orçamentação?
Quando eu não tenho um projeto bem definido, uma especificação clara, um modelo de contrato, isso atrapalha o processo, quando não há tempo suficiente para fazer a cotação dos preços no mercado e equalizar a proposta internamente. Todos esses aspectos são gargalos. O preço de concreto também é uma grande variável que, no caso de indústrias, obras pesadas, representa uma grande parte do orçamento. Ou seja, neste tipo de proposta, o custo do concreto vai ser relevante. E se esse item não for bem negociado e o parceiro bem definido, podem surgir problemas.

Parcerias na etapa de orçamentação são comuns?
Cada caso é um caso. Às vezes é dada uma preferência ao fornecedor; em outras, é feita a licitação. Ou, ainda, fazemos uma cotação no mercado. A gente nunca trabalha com o menor preço, mas com o preço mais adequado para aquele orçamento. Porque às vezes o menor preço pode não ser o preço mais completo. Temos um cadastro de parceiros que são avaliados constantemente. Isto é, no caso de ocorrer algum problema, essa informação volta para o cadastro e esse fornecedor recebe uma nota, que pode até impedir que ele entre na próxima cotação. Isso vale tanto para materiais quanto para serviços.


Quais itens de compra apresentam margem de negociação mais difícil?
Além do concreto, tem o pré-moldado, e toda a linha derivada desse material. Há insumos, como fachadas pré-moldadas, por exemplo, em que todos os concorrentes buscam um só fornecedor. Isso pode comprometer o fornecimento, porque o fornecedor pode estar casado com outra construtora e nos passar um preço mais alto.

Qual é a margem de diferença entre os preços que estão no mercado e os preços obtidos nessas negociações. A diferença é significativa?
Hoje em dia é preciso fazer uma boa negociação para achar o preço justo. O nosso banco de dados permite um bom parâmetro de mercado. Isto é fundamental. Hoje, como a competitividade está muito grande, as negociações estão muito restritas. Quem oferece a melhor proposta é aquele que negocia melhor. Então o banco permite saber até onde podemos negociar, até um valor que consideramos justos. Não adianta exigir mais do fornecedor do que ele pode ceder. Senão, depois ele não vai conseguir garantir o preço.

Como é possível reduzir o BDI controlando os riscos?
Quanto mais informação sobre a obra - um projeto bem feito, uma boa especificação -, maior o domínio sobre o processo. Isso representa uma boa tomada de preços e não termos assumido descontos a mais. Tudo isso permite reduzir os riscos. Com essa listagem de fornecedores e de materiais, é possível avaliar o risco em cada orçamento, por atividade, e assim avaliar o risco em cada proposta.

A ocorrência de propostas em outros Estados gera alguma dificuldade?
Muitas vezes, principalmente quanto ao concreto. Temos parcerias consolidadas em São Paulo, mas quando a obra é no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, ou outro Estado, as condições são completamente diferentes. É possível que uma concreteira local dê uma condição de negociação melhor do que uma concreteira de outro lugar. Às vezes, adotam-se soluções mistas. É comum também instalarmos nossos equipamentos, ou seja, montarmos uma central para reduzir os custos.

Até aqui não falamos de padrão de construção.
Esse padrão é um só e não varia em função da obra. A Hochtief trabalha com subempreiteiros. Mas, como empresa que tem ISO 9000, ela exige também de quem trabalha a mesma performance. O que procuramos é resolver todos os problemas na etapa de planejamento. Outra coisa muito importante é avaliar bem o contrato. Porque podem haver ali critérios restritivos que inviabilizam a apresentação da proposta. É necessário saber, por exemplo, como o cliente vai controlar a entrega dos serviços.

As recomendações feitas pela área comercial sobre determinada proposta são sempre aceitas?
É evidente que as decisões são sempre baseadas na recomendação da diretoria comercial. Mas nem sempre essas recomendações são adotadas. Porque a diretoria segue uma visão estratégica para a empresa e nessa análise são avaliadas também outras variáveis, que não foram consideradas pela área comercial. É como foi dito no início. Na Hochtief tudo é um processo e as ações não se dão de maneira aleatórias.

Fonte: Contrução Mercado

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